Sandra Tavares
- Brasília (26/09/2013) – Sem história
não há passado. E sem passado
perdemos nossas referências. O Parque
Nacional da Serra da Capivara, criado em 1979,
existe para nos lembrar dessas referências,
e que temos um passado como homo sapiens.
E basta uma boa conversa
com o atual chefe do Parque Nacional da Serra
da Capivara, o biólogo e mestre em
Ecologia da Conservação, Fernando
Tizianel, para entender o desafio que é
gerir um parque cujo patrimônio extrapola
os limites da Unidade de Conservação
e até mesmo do Brasil.
Ao todo são 737 sítios
arqueológicos catalogados incluindo
esqueletos humanos, cerca de 30 mil figuras
coloridas em pinturas rupestres representando
cenas de sexo, de dança, de parto em
uma manifestação abundante deixada
pelas populações pré-históricas
que viveram na área do Parque.
O patrimônio histórico
e arqueológico existente na Serra da
Capivara é de tal relevância
que lhe garantiu, o status de área
com a maior concentração de
sítios com desenhos pré-históricos
do mundo, e em 1991, a sua inscrição
na lista de Patrimônio Cultural da Humanidade,
da Unesco.
Para vislumbrar tais belezas,
o Parque Nacional da Serra da Capivara conta
com 14 trilhas para os visitantes e 72 sítios
arqueológicos abertos à visitação.
Um dos tesouros que pode ser visto pelo visitante
são os pedaços de cerâmicas
mais antigas das Américas, com 8.960
anos.
No circuito dos Veadinhos
Azuis, pode-se encontrar quatro sítios
com pinturas azuis - a primeira desta cor
descoberta no mundo. O número de turistas
que o parque recebe por ano é de quase
32 mil pessoas, mas ainda não é
ideal. "Temos um grande potencial de
aumentarmos, considerando que a nossa capacidade
instalada é de receber 10 vezes este
número", reitera o chefe.
A força de Niède
Niede GuidonSegundo Fernando,
o parque foi criado em 1979, a partir dos
estudos levantados pela missão franco-brasileira,
coordenada pela historiadora e antropóloga
Niède Guidon. E a parceria, iniciada
em 1987, com o Museu do Homem Americano foi
estratégica no apoio das ações
de gestão do parque e de elaboração
do Plano de Manejo.
"Niède Guidon
veio na década de 70 para o reconhecimento
dessas pinturas numa missão franco-brasileira.
Foi visto que se o parque fosse criado ajudaria
a proteger o patrimônio e ainda auxiliar
na geração de emprego e renda,
considerando que a região é
extremamente seca", explica Tizianel.
Fernando lembra que Niède
lutou para que um Museu do Homem Americano
fosse construído na região,
para que as peças arqueológicas
não fossem levadas para grandes centros
como RJ, SP ou até mesmo fora do País.
"Tudo que Niède faz tem um peso,
uma relevância, pois tudo é marcado
por uma qualidade e rigor no trabalho. Era
prioridade dela que o acervo ficasse no Piauí
e ajudasse mudar a realidade local. Daí
a escolha de que ele ficasse em São
Raimundo Nonato", relembra Tizianel.
Plano de Manejo
O plano de manejo do Parque
Nacional da Serra da Capivara está
em revisão no momento. A última
versão é de 1996 e vem sendo
implementado o que estava previsto. Mas como
a realidade é dinâmica e já
executadas as ações previstas
na versão mais velha, como as de infraestrutura
para recebimento de visitantes, a revisão
veio fortalecer novas frentes.
O conselho consultivo do
parque existe e está ativo. Os membros
tem acompanhado a parceria com a Fundham e
uma câmara técnica foi montada
com o objetivo de fomentar ações
socioambientais junto com lideranças
da comunidade.
"A ideia é estruturarmos
projetos voltados para o corredor ecológico
entre os parques nacionais da Serra da Capivara
e Confusões, ambos no Piauí,
estimulando a geração de emprego
e renda. Estamos desenhando um projeto de
Aquicultura junto à Cia de Desenvolvimento
dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf), cujo processo ainda está
em ebulição", frisa o chefe
do parque.
A expectativa, segundo Fernando
Tizianel, é que o evento em Brasília
traga um foco para a Serra da Capivara. "Esperamos
localizar parceiras que possam apoiar as ações
de gestão do parque, que venham para
além da proteção ambiental,
mas que tragam melhoria na qualidade de vida
das pessoas da região", frisa
ele.
No Piauí, bem como
em outros estados da região Nordeste
predomina o clima semiárido e baixa
pluviosidade. "Estamos sem chuvas significativas
há mais de dois anos, o que compromete
a produção das roças
de mandioca e milho – itens da alimentação
básica das famílias da região",
frisa ele.
Pressões e ameaças
A principal pressão
no parque se dá por meio da captura
e venda de exemplares da fauna silvestre da
caatinga, bem como da retirada de madeira.
"A caça é uma ameaça
constante e sem o trabalho de proteção
do ICMBio essa região estaria numa
condição muito ruim", reforça
Tizianel.
Entre as espécies
mais reféns de caçadores estão:
tatu, cutia, avoante, tamanduá-mirim,
entre outros. Outra ameaça é
a regularização fundiária
ainda inconclusa do parque. "Há
poucos moradores dentro do parque, mas sofremos
para geri-los, pois eles residem com criações
de gado, que adentram áreas do parque
consideradas proibidas", frisa Tizianel.
Pesquisas
O parque é um dos
que mais recebem pesquisas autorizadas via
SISBIO. Há projetos sendo desenvolvidos,
como o da Conservação in situ
da Biodiversidade da Caatinga, coordenado
pela Diretoria de Monitoramento da Biodiversidade
do ICMBio (DIBIO) e três centros a ela
vinculados – do Cerrado e Caatinga (CECAT),
de predadores (CENAP) e de répteis
e anfíbios (RAN). "Todo esse esforço
se dá porque no parque residem um dos
últimos remanescentes da caatinga.
Preservá-lo é um dever",
comemora Tizianel.
Gestão integrada
com Fundham
O parque conta com dois
servidores, o chefe mais um. "São
34 vigilantes, 21 brigadistas, temos também
um servidor da Embrapa cedido, dois apoiadores
de recepção e uma faxineira.
E cada um é importantíssimo
para fazer o parque acontecer", detalha
Tizianel.
A parceria com a Fundham é estratégica
nesse reforço de recursos humanos,
pois são mais 70 funcionários
no parque, a maioria agentes das 13 guaritas
de proteção abertas, responsáveis
por manter o controle dos principais acessos
ao parque e por notificar quaisquer ocorrências
via rádio, tais como incêndios.
Além disso a equipe
da Fundham faz toda a manutenção
dos sítios arqueológicos e das
vias de tráfego dos veículos
pelo parque. "São ao todo 300
quilômetros de trilhas para carro, 100
quilômetros de trilhas para pedestres
e 72 sítios arqueológicos preparados
para visitação", esclarece
Tizianel.
Comunidade se vê nas
pinturas
E quando o assunto é
sentimento de pertencimento, o chefe fala
do apoderamento que a comunidade local fez
das pinturas, que integram a vida das pessoas.
"A sociedade vê as pinturas como
a marca da região e sentem a valorização
desse patrimônio.
"Já geramos
emprego e renda para 80 condutores, pois a
visitação conta com a obrigatoriedade
de guias, além do trabalho das ceramistas,
que incrementa a região com novos postos
de trabalho", detalha o chefe do parque.
Os funcionários do Hotel Serra da Capivara,
um dos primeiros a serem construídos,
e cujos padrões de recebimento do turista
são internacionais. são do entorno
do parque.
O aeroporto em São
Raimundo Nonato/PI, cuja pista está
pronta mas sem inauguração formal,
alavancará ainda mais a visitação
no parque. Sem ele as opções
do visitante são: percurso pela Rodovia
Teresina Oeiras (600Km) ou Teresina Floriano
(530 Km), sem condições ideais.
"As rodovias em melhores condições
vêm de Petrolina/PE (300Km) com trechos
piores quando se chega no Piauí e na
Bahia", explica Tizianel.