Projeto de Lei que libera
atividade de alto impacto em
áreas de proteção integral
impõe prejuízos à biodiversidade
brasileira e coloca em risco compromissos
assumidos internacionalmente pelo país
Brasília, 06 de dezembro
de 2013 — A Conservação Internacional
(CI-Brasil) vem a público manifestar
seu repúdio ao Projeto de Lei (PL)
3.682/2012 de autoria do deputado Vinícius
Gurgel (PR-AP) que flexibiliza a legislação
ambiental de forma extremamente perigosa,
propondo a liberação de mineração
em Unidades de Conservação de
Proteção Integral, como os parques
nacionais. O PL fragiliza a Lei do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC) - uma importante conquista da sociedade
brasileira que norteia o sistema de áreas
protegidas visando à conservação
e ao uso sustentável do nosso patrimônio
natural – e é incoerente ao distorcer
a função primordial das áreas
de proteção integral, que é
preservar os recursos naturais da forma mais
restritiva possível, expondo-as a uma
atividade de alto impacto.
O PL tem como relator o
deputado Bernardo Santana de Vasconcellos
(PR-MG), quem fez acréscimos ainda
mais descabidos que vão na contramão
dos avanços da agenda ambiental brasileira
para a proteção da biodiversidade.
Prestes a ser votado na Comissão de
Minas e Energia, o projeto integra o pacote
do novo Código da Mineração
para o Brasil (PL 5.807/13) e prevê,
entre outros absurdos, a liberação
da caça de animal ameaçado de
extinção, a transferência
do poder de criação de UCs de
proteção integral para o Congresso
Nacional e a restrição de atividades
permitidas às populações
tradicionais dentro de UCs de Uso Sustentável,
como as Reservas Extrativistas e as Reservas
de Desenvolvimento Sustentável. Para
obter mais informações, acesse
a íntegra do texto da Petição
Pública: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR60544
Como uma organização
cuja missão é promover o bem-estar
humano fortalecendo a sociedade no cuidado
responsável e sustentável para
com a natureza, a CI-Brasil defende o fortalecimento
da legislação ambiental, amparada
em sólida base científica e
respaldada por políticas públicas
inovadoras e instituições comprometidas
com a conservação do rico capital
natural do país. Acreditamos que os
interesses comerciais não podem prescindir
da conciliação com a proteção
dos ecossistemas. Só assim conseguiremos
fazer frente aos efeitos negativos das mudanças
climáticas globais e outras pressões
ambientais, exercendo o potencial de liderança
que o Brasil detém nessa arena.
Em suma, em troca de potenciais
ganhos para um grupo reduzido, o PL 3.682/2012
prejudica toda a sociedade brasileira ao expor
a sérios riscos a integridade das águas,
da fauna e da flora de nosso território,
valiosos recursos para garantir a qualidade
de vida da população.
Neste sentido, a CI-Brasil
se soma às manifestações
de organizações socioambientais
e cidadãos brasileiros em defesa de
nosso bem mais precioso - a biodiversidade
– e solicita ao Congresso Nacional o arquivamento
imediato do referido projeto de lei.
O posicionamento acima exposto
é amparado pelos seguintes argumentos,
fatos e premissas:
Brasil, país de megadiverdidade
O Brasil ocupa o primeiro
lugar entre os países megadiversos
– grupo que reúne 17 nações
que respondem por 70% da diversidade biológica
da Terra -, abriga 12% da água doce
do mundo e é o maior sumidouro terrestre
de carbono. O país é detentor
do maior capital natural do planeta, o que
lhe impõe uma enorme responsabilidade
diante das pressões ambientais da atualidade.
Biodiversidade, para que
serve?
A biodiversidade salvaguarda
processos vitais para o homem, que são
os chamados serviços ambientais, como
reconhecido por mais de 200 países
na Rio+20 ou Conferência das Nações
Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável.
Sem o capital natural, a vida, como a conhecemos,
fica seriamente comprometida. Só para
citar alguns serviços ambientais que
têm a biodiversidade como fundação,
podemos destacar o equilíbrio climático,
as valiosas reservas de água doce e
a produção de alimentos. A perda
de biodiversidade afeta de tal maneira o clima,
que o desmatamento é hoje a segunda
maior fonte de contribuição
para as mudanças climáticas
em curso. A vegetação protege
nascentes e cursos d’água e, sem ela,
a qualidade e a quantidade de água
ficam comprometidas. A perda de espécies,
por vezes, pode comprometer o papel essencial
de polinizadores na produção
de alimentos, no controle de pragas, ou ainda
na base genética que pode conferir
resistência às culturas agrícolas.
Além de prestar serviços ao
ambiente, as espécies também
compõem o acervo genético que
pode esconder curas para doenças, tanto
que compostos derivados inicialmente de espécies
silvestres contribuem com mais da metade de
todos os remédios comerciais. Por fim,
e não menos importante, espécies
carregam valores estéticos, espirituais,
morais, culturais, que são a base para
a maioria das tradições e mitologias
dos mais diferentes povos.
Antagonismo arcaico: conservação
x desenvolvimento
Um dos maiores desafios
do Brasil é, portanto, adotar um modelo
econômico que permita uma trajetória
sustentável de crescimento e um sistema
de gestão territorial que levem em
conta tanto a conservação dos
seus extraordinários recursos naturais
como a promoção de um desenvolvimento
social e econômico. Embora o país
tenha acumulado sólido conhecimento
científico nas últimas décadas
e promovido avanços importantes em
políticas públicas ambientais
e no âmbito de compromissos internacionais,
infelizmente ainda tende a prevalecer uma
visão na qual o progresso é
entendido como crescimento econômico
e prosperidade infinitos, baseados na exploração
de recursos naturais erroneamente percebidos
como igualmente infinitos. Temos assistido
a um país que hesita entre continuar
a se desenvolver conforme o modelo tradicional
(à custa do seu valioso capital natural)
ou fazê-lo de uma forma sustentável,
apostando em um paradigma inovador de desenvolvimento
rumo a uma trajetória mais verde.
Áreas protegidas,
pilar da conservação
Uma das estratégias
comprovadamente mais eficazes para proteger
a riqueza natural e promover a manutenção
da cobertura vegetal nativa e dos ecossistemas
de vital importância para a humanidade
é a implantação de uma
rede de áreas protegidas. No Brasil,
as áreas protegidas incluem as unidades
de conservação (UCs) em terras
públicas ou privadas, as terras indígenas,
as áreas de proteção
permanente (margens de rios e relevos com
grande declividade dentro de propriedades
privadas) e as reservas legais (uma parte
das propriedades privadas que devem, legalmente,
ser mantidas para fins de conservação
da natureza).
Vários estudos avaliando
a efetividade das unidades de conservação,
em dezenas de países, têm mostrado
que essas unidades, a despeito das dificuldades
de gestão e investimentos, possuem
desempenho muito superior quanto à
integridade e à proteção
da biodiversidade, quando comparadas às
áreas não protegidas. Deve ser
ressaltado que a cobertura territorial de
unidades de conservação no Brasil,
com exceção da região
Amazônica, não encontra-se distribuída
segundo critérios de representatividade
ao longo dos diferentes biomas e ecossistemas,
resultando em lacunas, fato que pode reduzir
a efetividade do sistema em proteger a biodiversidade
brasileira. O baixo grau de representatividade
do sistema pode ser parcialmente atribuído
ao histórico de uso e ocupação
territorial e, por conseqüência,
às pressões antrópicas
internas e externas diferenciadas para cada
bioma. A Mata Atlântica, por exemplo,
possui menos de 3% do seu território
protegido em unidades de conservação
de proteção integral, ou seja,
97% do espaço apresenta outras formas
de uso da terra (agricultura, cidades, estradas,
hidrelétricas, remanescentes florestais
etc.).
Contribuição
econômica das unidades de conservação
A função das
áreas protegidas e o seu papel na sociedade
mudou ao longo dos anos, mas basicamente esses
espaços protegidos são uma resposta
efetiva às ameaças crescentes
sofridas pela natureza, sua exuberante flora
e fauna e belezas cênicas. As áreas
protegidas são um instrumento imprescindível
para a manutenção dos serviços
ambientais dos quais dependem a população
e a economia, notadamente a indústria
e o agronegócio. Vale reiterar que
estas não podem ser vistas fora de
sua inserção política,
econômica e social, havendo a necessidade
de se desenvolver estratégias de conservação
em escala espacial superior à das áreas
protegidas. O Ministério do Meio Ambiente,
em parceria com a Universidade Federal do
Rio de Janeiro e a Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, realizaram um estudo sobre
o impacto e o potencial econômico de
alguns bens e serviços provisionados
pelas unidades de conservação
para a economia e sociedade brasileiras. Os
resultados, apesar de ser uma primeira avaliação,
são expressivos: somente a produção
de madeira em tora nas Florestas Nacionais
e Estaduais da Amazônia, oriundas de
áreas manejadas segundo o modelo de
concessão florestal, tem potencial
de gerar, anualmente, entre R$1,2 bilhão
a R$2,2 bilhões, mais do que toda a
madeira nativa atualmente extraída
no país; visitação nos
Parques Nacionais existentes no Brasil tem
potencial para gerar entre R$1,6 bilhão
e R$1,8 bilhão por ano, considerando
as estimativas de fluxo de turistas projetadas
para o país até 2016, ano das
Olimpíadas; a criação
e manutenção das unidades de
conservação no Brasil impediu
a emissão de pelo menos 2,8 bilhões
de toneladas de carbono, com um valor monetário
conservadoramente estimado em R$96 bilhões;
80% da hidroeletricidade do país vem
de fontes geradores que têm pelo menos
um tributário a jusante de unidade
de conservação, 9% da água
para consumo humano é diretamente captada
em unidades de conservação,
e 26% é captada em fontes a jusante
de unidade de conservação
SNUC, uma conquista da sociedade
brasileira
Neste sentido, as áreas
protegidas são o pilar central para
o desenvolvimento de estratégias nacionais
de conservação da biodiversidade.
O Brasil possui um sistema de unidades de
conservação com mais de 1.968
unidades de conservação públicas
e privadas, em todas as categorias de manejo,
cobrindo aproximadamente 1,5 milhões
de km2 ou 17% do território nacional.
Após mais de 10 anos
de amplo debate público sobre um sistema
coerente e unificado de unidades de conservação
para o Brasil, foi publicado em 2000 o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC), que norteia nosso sistema de áreas
protegidas e cuja estrutura atende às
necessidades de uso e conservação
de recursos naturais no país.
O SNUC padroniza as categorias,
seus objetivos de criação e
as estratégias de gestão de
cada tipo de unidade de conservação.
As definições contidas no sistema
devem ser seguidas não só pela
união, mas também pelos estados
e municípios ao criarem seus espaços
protegidos. Esse sistema permitiu que as categorias
brasileiras se enquadrassem nos critérios
adotados internacionalmente pela União
Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN, da sigla em inglês),
entidade internacional vinculada à
Unesco que define e padroniza as categorias
de áreas protegidas baseada no entendimento
que a proteção dos recursos
naturais necessita incorporar todos os processos
naturais e as interações humanas.
Metas brasileiras, compromisso
na Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) da ONU
O papel das unidades de
conservação foi reconhecido
e reforçado pela Convenção
das Nações Unidas sobre a Diversidade
Biológica, adotado pela Conferência
das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD (Rio
92). No âmbito da Convenção,
um sistema adequado de unidades de conservação
é considerado como o pilar central
para o desenvolvimento de estratégias
nacionais de conservação da
diversidade biológica. Como signatário
da CDB, acordo internacional que orienta e
define as políticas sobre biodiversidade,
o país tem que cumprir os compromissos
assumidos diante da comunidade global.
Das metas brasileiras vinculadas
à essa Convenção, definidas
em 2002, quatro referem-se especificamente
às unidades de conservação.
Certamente não será reduzindo
Unidades de Conservação que
o país conseguirá alcançar
a meta voluntária de redução
de emissões de CO2 e outros gases de
efeito estufa, bem como ampliar a quantidade
de áreas protegidas até 2020.
Respeito aos territórios
de uso tradicional de povos indígenas
e quilombolas
A Conservação
Internacional defende o direito de consulta
livre, prévia e informada, garantida
pela Convenção n° 169 da
Organização Internacional do
Trabalho (OIT), da qual o Brasil é
signatário e que prevê a consulta
aos povos diante de qualquer projeto e mudança
que impacte seus territórios e modos
de vida.