12 Dezembro 2013 | Por Jorge
Eduardo Dantas
Pôr os pés em áreas remotas
da Amazônia, em busca de uma espécie
de primata pouco conhecida e obter mais informações
sobre esta espécie foi o grande desafio
da Expedição Zogue-Zogue Rabo
de Fogo, promovida pelo WWF-Brasil em conjunto
com instituições parceiras Mapsmut,
Rastos Consultoria e o fotógrafo Adriano
Gambarini.
A empreitada foi considerada
um sucesso: durante a incursão em campo,
ocorrida no mês de novembro, foi possível
encontrar famílias inteiras do pequeno
animal – um primata do gênero Callicebus
- fotografá-lo, registrá-lo
em vídeo e aumentar a quantidade de
informações disponíveis
sobre ele.
Esses materiais estão
sendo compilados e organizados e logo serão
disponibilizados ao público. Além
disso, também vão dar subsídios
para a descrição científica
desta espécie – trabalho que vem sendo
desenvolvido por um grupo de pesquisadores
ligados ao Museu Emilio Goeldi, situado em
Belém (PA).
Novas descobertas científicas
na Amazônia são relativamente
comuns e frequentes; no entanto, encontrar
uma nova espécie de primata, principalmente
as de grande porte, como as do gênero
Callicebus, é um feito mais raro e
mostra que a biodiversidade amazônica
ainda está longe de ser conhecida em
sua totalidade.
Limites definidos
Já se sabia que o
Zogue-Zogue Rabo de Fogo ocorria numa área
entre os Estados do Amazonas e Mato Grosso;
uma região pouco explorada e conhecida,
mas repleta de pressões ambientais
como desmatamento, grilagem e focos de incêndio.
Desta vez, no entanto, foi possível
mapear de forma mais precisa onde este animal
vive.
Durante a expedição,
foi possível identificar que o Zogue-Zogue
Rabo de Fogo ocorre numa área bem específica,
cujos limites são determinados, a leste
e a oeste, pelos rios Aripuanã e Roosevelt,
respectivamente; ao norte, pelo encontro desses
dois cursos d’água, nas proximidades
da comunidade Matá-Matá, em
Apuí (AM); e, ao Sul, por um conjunto
de morros próximo às áreas
indígenas do noroeste do Mato Grosso.
Foi possível também
confirmar que o Zogue-Zogue Rabo de Fogo está
presente em algumas Unidades de Conservação
nas quais o WWF-Brasil trabalha ou já
trabalhou, como as áreas do Mosaico
do Apuí – a exemplo da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Aripuanã, a Floresta
Estadual do Aripuanã, a Reserva Extrativista
do Guariba e a Floresta Estadual de Manicoré
-, o Parque Nacional (Parna) dos Campos Amazônicos
e a Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt.
Outra constatação se refere
ao fato de que o Rabo de Fogo ocorre em áreas
onde os extrativistas da Resex Guariba-Roosevelt
coletam castanhas. Neste tipo de cenário,
é preciso garantir a manutenção
do uso extrativista da terra pela população
tradicional e, ao mesmo tempo, a conservação
do pequeno primata.
Espécie ameaçada
Foi verificado ainda que as maiores ameaças
ao Zogue-Zogue Rabo de Fogo são a perda
de habitats relacionadas ao desmatamento,
a substituição da floresta por
pastagens e a exploração ilegal
de madeira.
Foram localizadas ainda
famílias do primata dentro de pequenos
fragmentos florestais – um fator de extrema
preocupação já que, nesses
ambientes, os animais ficam mais frágeis
e suscetíveis a doenças, sofrem
de estresse e escassez de alimentos. Situações
como essa põem em risco a variedade
genética de famílias isoladas.
Além disso, sempre existe a ameaça
de proprietários que pretendem suprimir
por completo a vegetação que
ainda resta, ocasionando o desaparecimento
destas famílias resistentes.
Além de obter mais informações
sobre o Rabo de Fogo, durante a expedição
foi possível levantar dados sobre outras
espécies de mamíferos e primatas.
Foram registradas, por exemplo, ocorrências
de outros dois Zogue-Zogues. Identificamos
o limite mais ao norte do Zogue-Zogue Barba
Branca, espécie nova que também
está em processo de descrição;
e também a barreira que separa o Rabo
de Fogo do Callicebus cinerascens, um outro
primata que ocorre entre os rios Aripuanã
e o Juruena.
Outro animal registrado
durante a incursão em campo foi a raposa
do campo (Lycalopex vetulus), localizada numa
área de transição entre
o Cerrado e a Amazônia – um registro
inédito, já que esta é
a primeira vez que este tipo de raposa, típica
de áreas mais abertas, é registrada
na porção Norte do Cerrado,
ampliando a área de distribuição
da espécie.
Mais estudos
De acordo com Júlio, existe a necessidade
de se realizar mais estudos sobre o comportamento
do Zogue-Zogue Rabo de Fogo, utilizando locais
estratégicos da Resex Guariba-Roosevelt
para isso. O pesquisador entende que, por
ali, é possível obter mais informações
e conhecimento sobre o macaquinho.
O pesquisador afirmou ainda que o resultado
mais importante da expedição
foi o fato de ter sido possível delinear
a área de distribuição
do Rabo de Fogo. “Percorremos a área,
registramos ocorrências adicionais e
avaliamos quais rios e serras funcionam como
barreiras geográficas para a biodiversidade
da área”, disse o cientista.
Dalponte disse também
que, durante o trabalho de campo, foi possível
“estimar melhor” a extensão e a gravidade
das pressões ambientais existentes
naquela área e checar a ocorrências
de espécies vizinhas do Zogue-Zogue,
ao sul e ao leste do interflúvio entre
os rios Aripuanã e Roosevelt.
Segundo o analista de conservação
do WWF-Brasil, Samuel Tararan, as informações
e registros realizados durante a expedição
confirmam a necessidade de ações
de conservação para a nova espécie,
pois ela se encontra numa área bastante
restrita e ameaçada pelo avanço
do desmatamento.
“Por meio de um programa
de educação ambiental e pesquisas,
o Zogue-Zogue Rabo de Fogo pode se tornar
um símbolo para a mudança na
percepção da sociedade e da
população local sobre a importância
em conservar os ambientes daquela região”,
disse o especialista.
Samuel afirmou ainda que
é possível, aos extrativistas
e proprietários de terra da região,
acessar mercados de consumo diferenciados,
uma vez que o uso sustentável dos produtos
da floresta nas áreas onde ocorre o
Zogue-Zogue Rabo de Fogo podem abrir oportunidades
para aliar à conservação
com o comércio de produtos florestais
de valor agregado.
Descoberta
O Zogue-Zogue Rabo de Fogo
foi registrado pela primeira vez em 2010,
durante a Expedição Científica
Guariba-Roosevelt, promovida pelo WWF-Brasil,
pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente
do Mato Grosso (Sema-MT) e pela empresa especializada
Mapsmut. À ocasião, a expedição
percorreu o noroeste daquele estado.
Durante o trabalho no campo,
uma equipe de profissionais levantou informações
sobre a região para subsidiar a redação
dos planos de manejo de quatro Unidades de
Conservação.
Durante a Expedição,
foi encontrado um exemplar de Callicebus,
que veio a ser chamado pelos integrantes da
viagem de “Rabo de Fogo”, por conta de sua
cauda avermelhada.
Em 2011, o espécime
coletado foi levado ao Museu Emilio Goeldi,
em Belém. O exemplar foi “tombado”
na coleção do Museu, onde desde
então é objeto de estudos e
segue no processo de descrição
científica.