Panorama
 
 
 
 

MORTE DE CHICO MENDES ABRE CAMINHO
PARA A QUESTÃO AMBIENTAL NO PAÍS

Panorama Ambiental
Dezembro de 2013

20/12/2013 - 11h43
Meio Ambiente
Ivan Richard
Enviado Especial da Agência Brasil/EBC
Xapuri (AC) - A luta pela preservação da Amazônia, em especial pela manutenção das atividades extrativistas, sofria um duro golpe há 25 anos. Em 22 de dezembro de 1988 foi assassinado, no interior do Acre, Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes. A morte do líder sindicalista repercutiu mundialmente e provocou mudanças na forma como o Brasil passou a lidar com as questões relacionadas ao meio ambiente.

De vida simples, Chico Mendes era enfático na defesa dos seus princípios. Ele conquistou o apoio dos companheiros seringueiros, de políticos, de artistas e de ativistas das causas ambientais em todo o mundo. “O Chico era uma pessoa que sabia respeitar todo mundo, sabia se relacionar com todo mundo e sabia construir a amizade e a confiança das pessoas”, descreveu à Agência Brasil Raimundo Mendes Barros, primo de Chico.

“Ele era uma pessoa simples, sem ambição, e que tinha como único objetivo defender os interesses daqueles menos favorecidos tanto em termos de informação como em termos econômicos”, acrescentou a vice-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Dercy Teles. Primeira mulher a presidir uma entidade sindical trabalhista no Brasil, Dercy esteve ao lado de Chico Mendes na criação da entidade em Xapuri.

Atraídos pelo ouro branco, milhares de nordestinos começaram a migrar para a Floresta Amazônica no final do século 19. Em meio a mais de 5 milhões de metros quadrados de floresta, começava uma história de disputas econômicas, conflitos por terra e luta pela preservação da selva. Foi nesse cenário que Chico Mendes se tornou símbolo da luta pela manutenção da floresta e da cultura do seu povo.

Com o fim do apogeu da borracha, depois da 2ª Guerra Mundial, em 1945, de explorados pelos donos das terras, os seringueiros passaram a ter que lutar pela permanência na floresta. Com o início da queda no preço da borracha, os fazendeiros passaram a vender as propriedades.

Na década de 1970, os governos militares iniciam a política de ocupação da Amazônia. Com isso, passam a estimular produtores rurais do Sul do país a ocupar os estados do Norte, inclusive o Acre. O resultado foi um novo ciclo de derrubada das matas para a exploração de madeira, plantio de soja e criação extensiva de gado, com estímulos financeiros do governo brasileiro e de bancos internacionais de fomento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

“Eles [os proprietários de terra] venderam os seringais [depois da queda do preço da borracha] mas não disseram para os fazendeiros do Sul que tinha gente no seringal. Venderam como se não morasse ninguém, mas em cada seringal daqueles tinha 100 pessoas, 50 famílias. Esse pessoal ia para onde? Eram casados, tinham filhos. Os fazendeiros quando compraram não queriam ninguém, eles queriam despejar todo mundo e daí que foi criado o sindicato e o movimento para empatar e eles não tirarem o pessoal”, lembrou o ex-seringueiro Luiz Targino, companheiro de Chico Mendes na exploração do látex.

Os empates, idealizados pelo seringueiro Wilson Pinheiro, que presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, consistiam em os trabalhadores rurais bloquearem a derrubada da mata se colocando a frente dos peões contratados pelos fazendeiros. Algumas vezes, para sensibilizar os peões com suas motosserras, mulheres e crianças eram colocadas na linha de frente. Com o assassinato de Wilson Pinheiro, em julho de 1980, a estratégia ganha ainda mais força com Chico Mendes. “Os empates foram fruto da sabedoria do Chico e desse espírito de não querer o confronto, de não querer o derramamento de sangue”.

Antropóloga e amiga do líder extrativista, Marly Alegretti recorda os conflitos da época. “Fiquei muito impressionada com a movimentação que estava acontecendo naquela ocasião. Havia muitos desmatamentos e os seringueiros estavam se organizando. Ninguém sabia, naquele momento, que lá no Acre, em Xapuri, que os seringueiros, que eram pessoas muito pobres e muito isoladas, praticamente sem poder nenhum, sem visibilidade, estavam fazendo uma defesa da floresta. E aquilo me impressionou bastante”, disse.

A postura dos seringueiros, no entanto, contrariava os interesses de grandes fazendeiros e as ameaças e os assassinatos de líderes sindicalistas começam a se tornar frequentes. Depois da morte de Wilson Pinheiro, outras lideranças também foram assassinadas, como Ivair Higino, dirigente sindical em Xapuri, morto em 1988.

Em 1975, Chico Mendes assume a secretaria-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia. No ano seguinte, intensifica os empates. De volta a Xapuri, ajuda a fundar, em 1977, o sindicato dos trabalhadores rurais da cidade onde foi eleito vereador. Na época, começa a receber ameaça de morte, assim como outros sindicalistas.

As lutas do seringueiro ultrapassam as fronteiras do Brasil. Ele é reconhecido como uma liderança mundial da luta pelas causas ambientalistas e recebe vários prêmios internacionais. Com a cabeça a prêmio, em 1988, Chico Mendes pede proteção policial e passa a ser escoltado por soldados da Polícia Militar. Contudo, sete dias após completar 44 anos, é assassinado na própria casa, com o tiro de espingarda no peito, em casa. Os policiais que faziam a segurança dele fugiram.

Chico, que casou duas vezes, deixou três filhos: Ângela (do primeiro casamento), Sandino e Elenira. Dois anos depois do crime, os fazendeiros Darly e Darci Alves foram condenados a 19 anos de prisão como mandante e executor do assassinato.

Principal testemunha do caso, o menino Genésio Ferreira da Silva, então com 13 anos, disse que ouviu pai e filho planejando o crime. Para tentar inocentar o pai, Darci confessou o crime. Os dois, que chegaram a fugir da cadeia e depois foram recapturados, cumpriram pena e estão em liberdade. Darly continua morando em Xapuri.
Edição: Marcos Chagas

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Uso das reservas extrativistas divide opiniões de acrianos

22/12/2013 - 10h30
Meio Ambiente
Ivan Richard
Repórter da Agência Brasil
Xapuri (AC) - Vinte e cinco anos depois do assassinato de Chico Mendes, as reservas extrativistas idealizadas por ele são um diferencial de áreas preservadas em meio a desmatamentos e longos pastos para a criação de gado. O modo de vida nesses locais não mudou muito: a simplicidade é a característica mais marcante.

Inspiradas no modelo das terras indígenas, que pertencem a União, as reservas extrativistas têm o objetivo de manter a floresta em pé extraindo dela produtos que possam ser comercializados, como o látex da seringueira, a castanha, o óleo de copaíba, o coco do babaçu e o açaí.

Chico Mendes não chegou a ver o sonho realizado, pois a primeira reserva só foi criada oficialmente em 11000. Com quase 1 milhão de hectares, a Reserva Chico Mendes, em Xapuri, foi a primeira das 12 existentes no Acre.

Nela, todos os dias, no início da manhã, Raimundo Mendes Barros, conhecido como Raimundão e primo de Chico Mendes, percorre as três estradas que possui no Seringal Floresta. Ele risca as 150 seringueiras e deixa os potes colher o leite. No fim da tarde, depois de cuidar da roça e dos animais, volta para recolher o látex.

Raimundão chega a tirar 10 quilos do produto por dia, que vende a quase R$ 8 para uma cooperativa. O destino do látex é a fábrica de preservativos Natex, instalada em Xapuri, que absorve praticamente toda a produção dos seringueiros. Além do látex, tem a castanha. “A castanha começa um preço e aí, na medida em que vão aparecendo outros mercados, vão colocando mais R$ 0,50, R$ 1 e ela vai subindo. Temos a expectativa que ela vá chegar a R$ 25, R$ 30 [a lata com 10 quilos]."

Em palestra no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), em maio de 1988, Chico Mendes explicou como seria o funcionamento das reservas. “Não queremos transformar a Amazônia em um santuário. O que não queremos é a Amazônia devastada”, defendeu na época. Chico Mendes tinha a convicção de que as reservas extrativistas tornariam a região economicamente viável.

“Temos certeza de que, com as reservas extrativistas, a Amazônia, no prazo de dez anos, se transformará em uma das regiões economicamente viáveis tanto para o Brasil como para o mundo porque nós temos muitas riquezas ali escondidas que até hoje não foram comercializadas”, disse aos estudantes da USP.

Mais de duas décadas após sua morte, as certezas de Chico Mendes dividem opiniões no Acre. A prática do manejo florestal, com a retirada seletiva de árvores adultas, e o modelo adotado pelos sucessivos governos acrianos para explorar a produção extrativista são criticados pelo historiador e professor da Universidade Federal do Acre Gerson Albuquerque. Filho de seringueiros, ele acredita que o legado de Chico Mendes está sendo distorcido.

“A questão não é econômica. A viabilidade é cultural. Eles [os extrativistas] provaram várias vezes que dentro da floresta produzem viabilidade cultural, quer o mercado aceite ou recuse. Agora, a reserva extrativista provou, mais de uma vez, que é viável, desde que o estado não interfira, desde que o estado vá lá dizer o que pode ou não fazer”, ressaltou Gerson Albuquerque.

Ele acrescentou que o governo tente impor aos extrativistas o que deve e o que não deve ser cultivado. “Que o estado não vá lá dizer que se não produzirem a pimenta longa não terá recurso no banco. Se não produzirem pupunha não terão recursos. Se não retirarem a madeira não terão recursos. Quando o estado faz isso, os obriga a fazer concessões e aí buscar viabilidade econômica”, disse.

Já o secretário de Meio Ambiente do Acre, Edgar de Deus, defende o modelo e lembra que o mercado impõe regras e organização na oferta dos produtos, inclusive os retirados da floresta. Segundo ele, apesar do crescimento do rebanho bovino e do manejo florestal, o estado tem reduzido os índices de desmatamento.

“Lógico que quando a gente vai pensar em um processo de desenvolvimento lá para um reserva extrativista [é necessário considerar] que estamos em um mundo capitalista e não socialista, temos regras de mercado e temos que trabalhar nessa perspectiva. Tirar esse povo da miséria secular que ele vem vivendo”, frisou o secretário.

Edgar de Deus ponderou que o modo de vida dos extrativistas é respeitado quando o governo do Acre abre possibilidades de uso de recursos para a produção. “Mas temos que ter uma perspectiva de mercado. Quando se extrai a castanha, se extrai a borracha, produz uma camisinha, você está visualizando uma perspectiva de mercado sem, no entanto, perder o elo principal que é o [o aspecto] cultural dessas populações”, argumentou.
Edição: Marcos Chagas

 

 

 

Fonte: Agência Brasil - Radiobras

 
 
 
 

 

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