08 Janeiro 2014 | por Aldem
Bourscheit - O Parque Nacional do Iguaçu
chega aos 75 anos neste dia 10 de janeiro
consolidado como o segundo parque mais visitado
no país1 e com valores econômico
e ecológico estimados em mais de R$
700 milhões anuais.
Graças àquela
área protegida, são movimentados
mais de R$ 88 milhões com turismo regional
a cada ano, conforme estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)2,
e são repassados a municípios
vizinhos cerca de R$ 10 milhões anuais
em ICMS Ecológico (confira atalho ao
lado).
Além disso, o fornecimento
de água, ciclagem de nutrientes, manutenção
e renovação de solos, controle
de erosão, regulação
do clima e outros serviços ambientais
gratuitos gerados pela unidade de conservação
são estimados em mais de R$ 600 milhões
por ano3. O cálculo foi feito com método
que estima o valor dos serviços ambientais
por hectare de Mata Atlântica conservada.
Logo, o Parque Nacional
do Iguaçu tem valor anual superior
a R$ 700 milhões e é uma fonte
de recursos econômicos e naturais sem
prazo de validade4.
Todavia, tamanha fonte de
riqueza e abrigo de um dos maiores espetáculos
naturais da Mata Atlântica - 19 grandes
quedas e 275 de menor porte que formam uma
frente única nas cheias -, as Cataratas
do Iguaçu (foto), não está
livre de ameaças: um projeto de lei
que propõe a abertura de uma estrada
para trânsito regional através
de 18 quilômetros do parque foi aprovado
na Câmara dos Deputados e tramita no
Senado.
Seu autor é um deputado
paranaense do PT, cuja proposta retoma movimentos
dos anos 1980 encabeçados por políticos
e comerciantes. À época, já
se usava um jogo de palavras na tentativa
de dar caráter histórico e romântico
à iniciativa de transformar a chamada
Estrada do Colono em uma “estrada parque”,
figura inexistente na legislação
federal.
No entanto, como lembra
o doutor em História pela PUC/RS, Paulo
José Koling, o que ocorre é
a “invenção de uma tradição
que, por mera sucessão de fatos históricos
ocorridos em tempos distintos, porém
numa mesma região, uniria movimentos
comunistas e de tenentes radicais à
migração de colonos sulistas”5.
No caso em questão, completa Koling,
o batismo da via como Estrada do Colono “tem
a função e a força de
legitimar o presente, independentemente da
sua historicidade”.
Clandestina - A estrada
em pauta foi aberta nos anos 1950, com o parque
nacional já criado. Sempre foi uma
via ilegal e está definitivamente fechada
desde 2003 por ordem da Justiça Federal.
Seu antigo leito está tomado pela Mata
Atlântica (foto).
Historicamente, a via foi
uma porta de entrada de problemas ambientais
ao interior da área protegida, como
caça, desmatamento e tráfico
de animais, e também para contrabando,
tráfico de drogas e transporte de veículos
roubados pela região, por sua proximidade
com a tríplice fronteira entre Brasil,
Argentina e Paraguai.
O Parque Nacional do Iguaçu
foi reconhecido como patrimônio natural
da humanidade durante a Conferência
Geral da Unesco (sigla em Inglês de
Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura) em Paris, em 1986. Os mais de
1,5 milhão de visitantes que o parque
recebe a cada ano semeiam benefícios
econômicos na região. E se somarmos
seus 185 mil hectares à área
do vizinho Parque Nacional Iguazú (Argentina),
chegamos a 250 mil hectares protegidos de
Mata Atlântica.
Em 2010, o parque brasileiro
quase perdeu seu título de patrimônio
natural da humanidade, justamente por outra
tentativa de reabertura da dita "Estrada
do Colono". Caso isso acontecesse, entre
os efeitos colaterais estariam prejuízos
à movimentação econômica
regional com o turismo e à conservação
da Mata Atlântica.
Por isso, à época
o Governo Federal se comprometeu junto às
Nações Unidas a não mais
permitir a abertura da problemática
estrada e a promover o desenvolvimento sustentável
regional para compensar supostas “perdas econômicas”
com seu fechamento definitivo.
É fundamental que
esses compromissos sejam retomados e consolidados.
Assim será possível promover
um modelo de desenvolvimento que associará
de forma moderna e concreta atividades econômicas
convencionais com a manutenção
e reconhecimento da importância do Parque
Nacional do Iguaçu. O turismo é
hoje concentrado em Foz do Iguaçu,
onde está o ainda único portão
de acesso ao parque nacional. Mas há
grande potencial para abertura de novas frentes
turísticas a partir de municípios
vizinhos.
“O parque estimula o desenvolvimento
regional com a geração de empregos
e recursos advindos do turismo, mas isso está
concentrado na região de Foz do Iguacu.
Por isso, o restante do parque está
virando uma “floresta vazia” pela atuação
de palmiteiros e caçadores e conflitos
com agropecuaristas. A onça-pintada,
por exemplo, está altamente ameaçada,
com menos de 20 indivíduos no parque
atualmente. Em 1996, havia mais de 150”, ressaltou
Anna Lobo, coordenadora do Programa Mata Atlântica
do WWF-Brasil.
Garantir a integridade ecológica
do parque também é importante
para a sobrevivência de animais ameaçados
de extinção, como a jacutinga,
o papo-branco, o gato-do-mato, o pica-pau-de-cara-amarela,
o gato-maracajá, o morcego vermelho,
a borboleta Ochropyge ruficauda, as onças
pintada e parda, o caneleirinho-de-chapéu-preto
e o socó-jararaca.
Cartilha – Para oferecer
informações técnicas
e históricas confiáveis sobre
o impasse envolvendo a tentativa de abertura
de uma estrada através do Parque Nacional
do Iguaçu, as quase mil entidades civis
brasileiras mobilizadas pelo caso produziram
a cartilha A estrada não é o
caminho (baixe o PDF ao lado).
As 10 páginas da
publicação impressa e eletrônica
estão recheadas de textos e fotos de
autoridades públicas, do Executivo,
do Judiciário e do Legislativo, e também
da sociedade civil, oferecendo dados econômicos,
sociais e ecológicos que jogam luz
sobre um impasse que, infelizmente, se perpetua.
“Essa discussão é
um enorme retrocesso. A conservação
está sendo colocada como empecilho
e não como responsabilidade de todos.
Precisamos entender que podemos fomentar a
economia das regiões do entorno, justamente,
por termos um parque”, destaca na cartilha
Christopher Thomas Blum, professor de Engenharia
Florestal da Universidade Federal do Paraná
e doutor em Engenharia Florestal.
1) A Unidade de Conservação
mais visitada no Brasil é hoje o Parque
Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ele
recebe mais de 2,5 milhões de visitantes
ao ano.
2) Cálculo foi feito
no início dos anos 2000, quando o parque
recebia 800 mil visitantes anuais. Hoje recebe
mais de 1,5 milhão. Atalho para download
do estudo ao lado.
3) O cálculo revelou
que cada hectare de Mata Atlântica conservada
no Parque Nacional do Iguaçu gera serviços
ambientais estimados em R$ 3.305,00 ao ano.
Como a unidade de conservação
tem 185 mil hectares, foram calculados em
R$ 611.432.641,00 o valor dos serviços
ambientais daquela área protegida.
4) Ao contrário de
outras modalidades econômicas como mineração,
plantios de soja, cana-de-açúcar
ou eucalipto, as Unidades de Conservação
geram renda e serviços ambientais de
forma permanente.
5) "Quanto à
produção da memória,
chama atenção o fato do movimento
favorável à reabertura da Estrada
do Colono reconstruir uma origem fundante
da estrada e uma visão romântica
do passado destruído. Com relação
ao primeiro aspecto, buscou-se na Coluna Prestes,
que percorreu o Sudoeste e o Oeste do Paraná,
cruzando a área que formaria o PNI,
em 1925, o marco originário da Estrada
do Colono. Efetivamente, entre os anos de
1924 e 1925, a Coluna Prestes, de caráter
tenentista e comunista, não somente
passou e esteve nestes rincões paranaenses,
mas, inclusive, agiu e interferiu na sociedade
local e propunha uma mudança ao país.
Todavia, entre a Coluna Prestes e os defensores
da reabertura da Estrada do Colono não
há aproximações nem continuidade,
a não ser o interesse de produzir uma
memória legitimadora de um pretenso
passado comum, ou melhor, a invenção
de uma tradição, que, por mera
sucessão de fatos históricos,
ocorridos em tempos distintos, porém
numa mesma região, uniria, por si só,
os movimentos: a Coluna Prestes (comunistas
e tenentes radicais) – entre 1924-1925, a
migração de colonos sulistas
– entre os anos de 1940-1960, e a AIPOPEC
(1986-2005). Neste caso, a indicação
do ato de batismo tem a função
e a força de legitimar o presente,
independentemente da sua historicidade".
Atalho para download do estudo ao lado.