21 Fevereiro
2014 | por Jorge Eduardo Dantas - Um movimento
de deputados estaduais associados a setores
econômicos no Amapá pretende
forçar a votação, na
Assembleia Legislativa, de um projeto de lei
que revogará a Floresta Estadual (Flota)
do Amapá.
Os parlamentares pretendiam
aprovar a proposta nessa quarta (19), mas
uma recomendação do Ministério
Público Estadual manteve a unidade
de conservação, por enquanto.
Em sua argumentação (disponível
no atalho ao lado), os procuradores alegam
que uma decisão sobre o futuro da flota
depende da transferência formal de terras
federais para o estado.
Em 2006, quando a floresta
estadual foi criada, a Presidência da
República se comprometeu a repassar
as terras para o Amapá, desde que elas
fossem transformadas em uma unidade de conservação.
A área protegida foi corretamente criada,
mas a transferência das terras ainda
não foi oficializada.
Ana Euler, diretora-presidente
do Instituto Estadual de Florestas (IEF) do
Amapá, aponta que a ofensiva contra
a floresta estadual ganhou força apenas
nos últimos meses, enquanto a área
protegida foi criada há 8 anos, sem
oposição. O avanço da
fronteira produtiva na Amazônia e a
proximidade das eleições podem
explicar este fato. “Gostaríamos de
fazer um debate técnico sobre isso,
mas o que vemos é apenas um movimento
político, um movimento eleitoreiro”,
afirmou.
Interesses individuais
Para o coordenador do Programa
Amazônia do WWF-Brasil, Marco Lentini,
os movimentos políticos em favor da
diminuição de área ou
do status de conservação das
áreas protegidas da Amazônia
estão, infelizmente, se tornando comuns.
“Tais áreas foram
originalmente criadas para defender interesses
coletivos no que se refere à conservação
da biodiversidade, à manutenção
dos serviços ambientais providos por
estes ecossistemas e, frequentemente, para
preservar meios tradicionais de uso dos recursos
naturais e de sobrevivência de conhecimentos
e culturas. Entretanto, quando são
descriadas, o processo é o inverso:
defende interesses individuais de grupos ou
de indivíduos”, declarou.
O especialista em Políticas
Públicas do WWF-Brasil, Aldem Bourscheit,
afirma que a floresta estadual não
será um entrave ao desenvolvimento
econômico do Amapá, como apostam
deputados favoráveis a sua extinção.
“Ao contrário do que discursam, A floresta
estadual não engessará a economia
do Amapá. Pelo contrário, em
seu plano de manejo estão previstos
o extrativismo, o manejo madeireiro e outras
atividades econômicas que devem ser
conduzidas de forma sustentável. E
essas atividades vão gerar lucros e
empregos”, afirmou.
“Os interesses envolvidos
na tentativa de revogação da
flota querem gerar instabilidade política
na gestão ambiental do estado e abrir
as portas da área hoje protegida para
o desmatamento, com alto impacto socioambiental”,
completou Bourscheit.
Ações em curso
Em abril, o Governo do Amapá
deve lançar um primeiro edital para
concessão de florestas para manejo,
inclusive dentro da floresta estadual. “Lançamos
o pré-edital em dezembro, fizemos reuniões
técnicas em fevereiro, temos audiências
públicas marcadas para março.
Estamos sim trabalhando pela exploração
econômica racional dos recursos que
temos”, ressaltou Ana Euler, do IEF.
O objetivo das concessões
é legalizar a exploração
de recursos naturais, como a madeira. Na Amazônia,
onde a ilegalidade da madeira produzida e
comercializada é altíssima,
os editais de concessões são
instrumentos que podem ajudar a garantir renda
para as populações e a manter
a exploração mais ordenada e
legal.
A primeira concessão
deve arrecadar cerca de R$ 8 milhões
anuais em royalties, que serão divididos
entre estado e municípios no entorno
da floresta estadual.
Pessoas e conservação
Conforme um levantamento
socioambiental feito para o plano de manejo
da floresta estadual, concluído em
janeiro, há entre 350 e 400 famílias
dentro da área protegida. Como a unidade
de conservação é de uso
sustentável, não impede a presença
de pessoas, e a diretriz de trabalho é
basicamente saber quem quer continuar e quem
quer sair da região.
“São necessárias
políticas coordenadas entre governo
federal, estado e municípios para ajudar
quem realmente vive no campo. As famílias
que quiserem sair serão encaminhadas
a assentamentos federais no estado, hoje subocupados.
E quem quiser permanecer na área, poderá
extrair recursos para sua sobrevivência
de forma sustentável”, afirmou Ana.
Rondônia extingue
resex
A Flota do Amapá,
no entanto, não é a única
área protegida ameaçada na Amazônia.
A Assembleia Legislativa
de Rondônia aprovou, esta semana, a
extinção da Reserva Extrativista
Jacy-Paraná. A unidade de conservação
abrangia parcelas de três municípios
e possuía 199 mil hectares. O motivo
aventado pelos deputados foi o de auxiliar
famílias de agricultores que vivem
dentro da reserva e que, segundo os parlamentares,
não teriam sido ouvidas no momento
da sua criação, em 1996.
O atropelo gerou uma forte
resposta do Grupo de Trabalho Amazônico
(GTA) que, em carta aberta, afirmou que a
iniciativa faz parte de “uma iniciativa para
destruir as florestas de Rondônia”.
No texto em que desaprovam a extinção
da Jacy-Paraná, o Grupo destaca assédios
e pressões sobre populações
tradicionais e ribeirinhas para aderirem ao
movimento contrário à reserva.
“A frente parlamentar da
grilagem em Rondônia emprega um discurso
falacioso de que são pequenos produtores,
mas há informações de
que tal qual na Flona Bom Futuro, a maior
parte das terras da resex Jaci-Paraná
foram apossadas por fazendeiros, que grilaram
as mesmas para pecuária de corte ou
especulação fundiária.
Basta uma análise na dinâmica
do desmatamento da reserva, com inúmeros
desmates anuais com polígonos de mais
de 100 ha. Pelos menos uma dezena de imóveis
tem mais de mil cabeças de gado bovino
e várias dezenas de posses têm
uma ou mais centenas de cabeças, ou
seja, não se trata de pequenos produtores
de origem humilde.”, diz um trecho da carta,
que pode ser conferida no atalho ao lado.
Entre 2008 e 2009, a Amazônia
perdeu quase 50 mil quilômetros quadrados
em área protegida com a extinção
e a redução de unidades de conservação
e terras indígenas, segundo dados do
Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia.
A área equivale a dos estados de Alagoas
e Sergipe, juntos.