Alana Gandra - Agência Brasil13.02.2014
- 17h40 | Levantamento feito pela pesquisadora Sannie
Muniz Brum com 35 comunidades de pescadores em área
de reserva de desenvolvimento sustentável,
na região do Baixo Rio Purus, no Amazonas,
constatou que botos-vermelhos, conhecidos também
como botos-cor-de-rosa, estão sendo mortos
e usados como isca para a pesca do peixe piracatinga
(Callophysus macropterus).
Sannie é pesquisadora do
Instituto Piagaçu (IPI) e colaboradora da
Associação Amigos do Peixe-boi (Ampa).
O projeto teve apoio da Fundação Boticário
de Proteção à Natureza. Sannie
alerta que, no longo prazo, essa prática
pode acabar levando à extinção
do "golfinho da Amazônia". “As medidas
têm que ser tomadas agora. Senão, é
extinção”, disse Sannie hoje (13)
à Agência Brasil.
A coordenadora adjunta do Centro
Nacional de Pesquisa e Conservação
de Mamíferos Aquáticos (CMA) do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), Carla Marques, disse que, em comitês
internacionais, o governo brasileiro tem sido cobrado
sobre a preservação dos botos da Amazônia.
O problema, disse, é que
não há pessoal suficiente para exercer
uma fiscalização contínua na
região. O ICMBio fiscaliza as áreas
dentro das unidades de conservação
e o Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos
Naturais Renováveis (Ibama) se encarrega
de fiscalizar fora dessas unidades. “Dentro do instituto
tem uma política de tentar evitar que ocorram
essas práticas, mas o ICMBio não tem
o poder de polícia”.
Carla Marques informou que têm
sido feitas campanhas pelo governo em conjunto com
o Centro de Estudo e Pesquisa da Amazônia
(Cepam). O órgão do Ministério
do Meio Ambiente tem conhecimento da utilização
do golfinho como isca para pesca, o que é
ilegal, e está articulando ações
para coibir a prática em parceria com o Ibama
e o próprio ministério. “A gente tem
feito algumas ações de fiscalização
em conjunto com o Ibama, mas as ações
são pontuais. A Amazônia é um
mundo inteiro. A gente não consegue coibir
tudo”.
Carla admitiu que esse é
um problema de difícil solução
e que ocorre em outros países. Ela acredita
que para resolver o problema, só com fiscalização.
“Está todo mundo pensando em tentar mitigar
esse problema, mas é de difícil solução
pela falta de pessoal que se tem. Os dois órgãos
têm pouco contingente para atender a uma região
como a Amazônia”. Ela relatou, inclusive,
que algumas ações ocorrem em parceria
com a Polícia Federal e as polícias
locais. “Mas são pontuais. A gente não
consegue estar presente o tempo todo. E a pesca
continua”.
Além de uma fiscalização
mais rigorosa e permanente, a pesquisadora Sannie
Brum defendeu a necessidade de se levar às
comunidades que habitam em áreas protegidas
informações para que saibam que é
crime e ilegal usar botos-vermelhos como isca para
a pesca. “É preciso que haja uma conscientização.
Eles [pescadores] sabem que é proibido, que
não podem fazer”. É preciso que haja
uma coibição efetiva para que decidam
parar essa prática. “Educar e trazer informações
são medidas para a conscientização
dos pescadores”.
Segundo a pesquisadora, a mortalidade
do golfinhos é elevada na região do
Baixo Purus devido à atividade de pesca da
piracatinga. Considerando 15 toneladas pescadas
somente na região, de acordo com relato dos
próprios pescadores, a estimativa é
que até 144 botos-cor-de-rosa sejam mortos
por ano para virar isca. “É um absurdo”.
A situação se agrava
considerando que os golfinhos têm uma reprodução
lenta. As fêmeas têm uma gestação
de cerca de dez meses e, após o nascimento,
podem cuidar dos filhotes por até quatro
anos. Com isso, a inserção de novos
botos na natureza é demorada. Sannie diz
que a morte de uma grande quantidade desses animais
pode inviabilizar a manutenção da
espécie.
Para a pesquisadora, a fiscalização
é importante, mas constitui o primeiro passo.
“Ela tem que ser mais efetiva e aberta à
discussão”. Ela reiterou a necessidade de
uma grande campanha de educação ambiental
nas comunidades, para que os moradores entendam
a importância que o boto tem para o meio ambiente
e para ele mesmo. Hoje, disse, o pescador vê
o boto como um concorrente para suas atividades
de pesca. “A gente precisa mudar isso. E só
muda com educação”.
Sannie Brum pretende começar
uma nova pesquisa para descobrir o que pode ser
usado como alternativa de isca para a pesca da piracatinga.
A coordenadora adjunta do CMA, Carla Marques, informou
que esse é um tipo de peixe que se alimenta
de carne morta ou em putrefação. Por
isso, é rejeitado como alimento pelos próprios
pescadores.
Sannie Brum explicou que apesar
disso, eles vendem o produto para mercados de São
Paulo, do Paraná e do Nordeste e, inclusive,
para outros países, como a Colômbia.
Para isso, usam o nome fantasia de “douradinha”.
Como é vendido sob a forma de filé,
a piracatinga acaba sendo comprada pelos consumidores
que o confundem com um peixe nobre, a dourada (Brachyplathystoma
flavicans).