Rio
de Janeiro, 02 de abril de 2014 — Por Fábio
Scarano* - Se você tem prestado atenção
aos últimos acontecimentos, os resultados
do mais recente relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(IPCC) não serão uma surpresa.
Do tufão Haiyan à
seca na Califórnia e na Austrália,
passando pelas inundações extremas
na Amazônia, a inconstância dos
padrões climáticos atribuídos
às mudanças climáticas
está repercutindo nas vidas e meios
de subsistência em todo o mundo.
O “5º Relatório
de Avaliação” do IPCC divulgado
esta semana no Japão reforça
ainda mais o perigoso percurso que estamos
traçando. No entanto, eu acredito que
há uma boa notícia por trás
dos dados trágicos: detemos hoje maior
conhecimento sobre as maneiras mais eficazes
de reverter a situação. Para
se adaptar com sucesso às mudanças
climáticas, é essencial reduzir
a pobreza e ao mesmo tempo proteger a natureza.
Apesar dos cenários
sombrios projetados pelo IPCC há sete
anos no “4º Relatório de Avaliação”
- o que, devo acrescentar, valeu ao grupo
um Prêmio Nobel da Paz - nossa sociedade
global não tomou medidas significativas
para deter as emissões de gases de
efeito estufa, tampouco tentou reduzir os
impactos das mudanças climáticas.
Portanto, ainda que uma redução
drástica das emissões globais
seja urgente, não é mais suficiente.
Nós já estamos vivendo na era
da adaptação.
Então, o que há
de novo no 5º Relatório? Para
encurtar a história, os impactos sobre
o planeta estão aumentando e as pessoas
pobres são as mais vulneráveis.
Hoje, 800 milhões de pessoas não
têm acesso a água potável;
850 milhões passam fome. Como as mudanças
climáticas impactam no fornecimento
de água e alimentos, essas pessoas
serão as primeiras a sentir as consequências.
Para tornar as sociedades
mais resistentes às mudanças
climáticas, são necessárias
duas ações principais. Em primeiro
lugar, a pobreza deve ser reduzida. Em segundo
lugar, a natureza – que quando preservada
nos fornece um clima estável, alimentos,
água e tudo o que precisamos para viver
– tem de ser protegida. É por isso
que o desenvolvimento sustentável é
o principal objetivo do trabalho que realizamos
na CI.
Tradicionalmente as pessoas
associam adaptação às
mudanças climáticas a um alto
investimento financeiro em infraestrutura
e tecnologia - por exemplo, diques para proteger
as costas marinhas das tempestades e do aumento
progressivo do nível do mar. No entanto,
cada vez mais cientistas que estudam o clima
e formuladores de políticas públicas
estão falando sobre a adaptação
baseada nos ecossistemas, que em outras palavras
significa: as pessoas precisam da natureza
para prosperar.
Adaptação
baseada nos ecossistemas começa com
a premissa de que, quando utilizados de forma
sustentável, os serviços prestados
pela natureza podem, simultaneamente, gerar
riqueza e tornar as sociedades mais resilientes
às mudanças climáticas.
Comparada às soluções
propostas pela “engenharia pesada” (via grandes
obras), a adaptação baseada
nos ecossistemas:
• Tem boa relação
custo-benefício: proteger um mangue
é mais barato do que construir um paredão
para conter a invasão da água
do mar.
• Está imediatamente
disponível: não há necessidade
de construir, apenas usar de forma sustentável
o que a natureza provê.
• É capaz de proporcionar
múltiplos benefícios: medicamentos,
meios de subsistência, cultura, polinização,
recreação, etc.
As soluções
de adaptação baseada nos ecossistemas
são muitas vezes as opções
mais viáveis ??para os países
em desenvolvimento, pois esses abrigam grande
parte das áreas naturais intactas.
O relatório inclui
alguns exemplos inspiradores de como as comunidades
locais já estão buscando soluções
de adaptação e de desenvolvimento
baseadas nos ecossistemas e que promovem o
uso sustentável dos recursos.
Em minha pesquisa para o
relatório do IPCC, encontrei casos
de sucesso espalhados pela América
Central e do Sul, incluindo: no Brasil, a
conservação dos manguezais e
recifes de coral para melhorar os modos de
vida dos pescadores e, simultaneamente, prevenir
desastres costeiros; na Bolívia, o
manejo florestal comunitário que permite
a extração sustentável
de produtos florestais “não madeireiros”;
e no Equador, acordos de conservação
que garantem à população
rural pobre o recebimento de incentivos para
proteger as áreas naturais em suas
propriedades.
Parte do desafio que temos
pela frente será amplificar esses projetos,
incorporando-os em políticas públicas
e divulgando sua eficácia para outras
cidades e países que podem seguir o
exemplo.
Da minha primeira experiência
no IPCC, eu levo duas lições.
Em primeiro lugar, temos de nos concentrar
muito mais sobre as soluções
do que os problemas - e as soluções
têm que acontecer agora.
Minha segunda lição
é sobre trabalho em equipe. Eu sou
um dos 830 principais autores, de 85 países,
que contribuíram para o “5º Relatório
de Avaliação do IPCC”. Passamos
três anos lendo, escrevendo, corrigindo,
revisando, discutindo e verificando se há
consistência nos dados sobre mudanças
climáticas.
Vocês conseguem imaginar
o que foi preciso para que todos esses cientistas
chegassem a um consenso em um único
relatório? Muitas vezes eu tive a impressão
de fazer parte de uma orquestra gigante, onde
os músicos que estavam tocando tranquilamente
na parte de trás eram tão importantes
como os maestros e os primeiros violinos.
É incrível como as pessoas podem
colocar de lado suas diferenças quando
estão motivadas por um objetivo comum.
Eu já sabia que as
pessoas precisam de natureza para prosperar.
Estar envolvido com o IPCC me lembrou de que,
se quisermos agarrar a oportunidade de proteger
a natureza para salvar a espécie humana,
temos que trabalhar juntos.
*Fábio Scarano é vice-presidente
sênior da CI para a Divisão Américas
e autor do GT2 do IPCC, grupo que avalia Impacto,
Adaptação e Vulnerabilidade.