Os
gambás e os desafios de viver em uma grande cidade
Filhote
resgatado sobreviveu e agora se recupera bem no CRAS-PET
17/11/2020 – A primavera
chega e com ela uma explosão da vida selvagem. Os
nascimentos se ampliam e as inúmeras espécies
surgem por todas as partes, inclusive nas grandes cidades.
E nessas metrópoles os desafios são ainda
maiores. A depender da espécie a luta pela vida torna-se
um desafio que ultrapassa suas capacidades.
Esse é o caso dos
gambás, odiado por cães e incompreendido por
muitos humanos, as espécies de gambás que
nascem e vivem nas cidades, já aprendem desde cedo
como a vida será difícil. No Centro de Estudos
e Conservação da Flora – CECFLORA, em
São Paulo, os gambás são figuras fáceis,
o local mantém boa vegetação e há
outras propriedades ao redor que também conservam
fragmentos florestais e uma boa oferta de comida. Por outro
lado, os cães da região costumam ser predadores
letais. Na última semana, ativistas resgataram um
filhote ao lado da mãe e outros três filhotes
mortos.
Socorrido pelos ativistas
o pequeno gambá-de-orelha-preta, provisoriamente
chamado de Jubileu, ficou sob meus os cuidados, por sete
dias, até ser levado para o CRAS-PET no Parque Ecológico
do Tietê. Agora é torcer para que o pequeno
Jubileu cresça e tenha uma boa vida livre no parque.
Mas como identificar um gambá? E o que fazer com
encontrar um filhote? Veja como você pode salvar a
vida desses importantes animais da nossa fauna.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Gambá-de-orelha-preta
(Didelphis aurita) resgatado no Centro
de Estudos e Conservação da Flora
- CECFLORA.
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Saiba mais sobre os gambás
Gambá-de-orelha-preta
Didelphis aurita Wied-Neuwied, 1826
Ordem Didelphimorphia Gill, 1872
Família Didelphidae Gray, 1821
Assim como as cuícas,
os gambás são mamíferos marsupiais.
Os marsupiais constituem um dos três principais grupos
atuais de mamíferos, junto aos monotremados (ornitorrincos
e equidnas) e placentários ou eutérios. O
modo de reprodução é o principal critério
utilizado para esta divisão, que no caso dos marsupiais
caracterizam-se por uma curta gestação e extensa
lactação, mas outras características
também os distingue.
A diversidade de marsupiais
no Brasil pré-histórico foi elevada, no entanto
os representantes atuais são classificados em apenas
uma ordem, Didelphimorphia, e em uma família, Didelphidae.
A Ordem Didelphimorphia
engloba quase todos os marsupiais viventes das Américas.
Abriga espécies de pequeno a médio porte (menos
de 10g a até 5000g), que ocorrem em praticamente
todo continente, desde o sul do Canadá à Patagônia.
No Brasil ocorrem 15 gêneros
e 56 espécies. Distribuem-se por todos os biomas
do Brasil, desde a Floresta Amazônica ao Pampa, mas
a maior diversidade de espécies ocorre nas florestas
densas da Amazônia e Mata Atlântica.
O gênero Didelphis
integra seis espécies, em sua maioria, de ampla distribuição
geográfica. Cinco espécies são encontradas
na América do Sul e quatro são registradas
no Brasil. Didelphis aurita e D. albiventris
ocorrem de maneira ampla no país. Didelphis
aurita habita áreas florestadas, desde a costa
leste da Paraíba até o Rio Grande do Sul,
mas também é encontrado no interior do Brasil,
nos estados de São Paulo, Paraná, sul do Mato
Grosso do Sul, Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul,
além do leste do Paraguai. Didelphis albiventris
vive tanto em áreas florestais quanto em regiões
abertas e se distribui por toda Caatinga, Cerrado e Pampa,
também ocorre na Mata Atlântica em simpatria
com D. aurita em alguns locais. É tolerante
a alterações no ambiente, pois vive em paisagens
bastante fragmentadas e também na periferia de centros
urbanos.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Gambá-de-orelha-preta
(Didelphis aurita) resgatado no Centro
de Estudos e Conservação da Flora
- CECFLORA.
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D. aurita tolera menos alterações
como a fragmentação de habitats e a espécie
pode estar desaparecendo das áreas marginais da Mata
Atlântica próximas ao Pampa e ao Cerrado, ocorrendo
um estreitamento em direção ao centro do bioma.
Didelphis marsupialis ocorre no norte do Brasil,
amplamente distribuído pela bacia Amazônica,
enquanto Didelphis imperfecta se distribui de maneira
restrita ao norte de Roraima no Brasil, mas também
ocorre no Suriname, Guiana Francesa, Guiana e Venezuela.
Muitas espécies possuem
hábito arborícola e têm como adaptação
polegar opositor e cauda preênsil. No entanto há
espécies com hábitos totalmente terrestres,
com cauda curta e não preênsil como as do gênero
Monodelphis.
Pesam até 2 quilos
e medem aproximadamente 98 cm (corpo e cauda). Nos marsupiais
sul-americanos, o marsúpio ou bolsa ocorre somente
nas espécies de maior porte como, por exemplo, em
Didelphis.
As espécies da família
Didelphidae possuem pelagem macia (sem pelos transformados
em espinhos); cinco dígitos nas mãos e nos
pés, com hálux (dígito I do pé)
oponente; cauda preênsil (exceto em alguns táxons);
e ossos nasais alongados.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Gambá-de-orelha-preta
(Didelphis aurita) resgatado no Centro
de Estudos e Conservação da Flora
- CECFLORA.
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Os marsupiais apresentam
gestação muito curta e um longo período
de lactação. Depois que nascem, os filhotes
ainda na fase embrionária vão da cloaca em
direção as mamas localizadas no ventre ou
na bolsa marsupial (presente na maioria das espécies
americanas de médio e grande porte). Os membros anteriores,
incluindo garras deciduais se desenvolvem rapidamente durante
o período gestacional. Nascem prematuramente, com
a cauda, os membros posteriores e os olhos em fases iniciais
de desenvolvimento. Após a metade do período
de lactação, os olhos e a boca estão
desenvolvidos o suficiente para se abrirem. Os filhotes
de Didelphis possuem uma dentição
mais desenvolvida ao final do período de lactação,
e também podem se soltar de maneira voluntária
dos mamilos (que se encontram desenvolvidos nesta época)
podendo continuar agarrados às costas da mãe
por um curto período enquanto ela procura por alimento.
Em seguida a mãe deixa os filhotes seguros em uma
toca por aproximadamente um mês, neste período
ela retorna para amamentá-los. Após esta fase,
os filhotes tornam-se independentes da mãe e começam
a comer outros tipos de alimentos.
O gênero Didelphis
possui uma estratégia reprodutiva distinta dos
demais marsupiais do grupo, pois o tamanho dos filhotes
é maior em relação ao seu tamanho corporal,
possivelmente por que são mais adaptados a ambientes
alterados.
O gambá-de-orelha-preta
geralmente possui a região dorsal grisalha ou enegrecida;
a textura desta região é áspera; a
face é em geral negra ou grisalha, com marcas faciais
pouco visíveis; as orelhas são totalmente
negras.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Jubileu, um gambá-de-orelha-preta
(Didelphis aurita) resgatado no Centro
de Estudos e Conservação da Flora
- CECFLORA.
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Possuem hábitos crepusculares
e noturnos, porém podem ser avistados também
durante o dia.
Diante de uma ameaça reduzem a temperatura do corpo,
a frequência cardíaca e respiratória
e permanecem imóveis ao serem tocados ou movidos.
Este comportamento denomina-se tanatose e pode ocorrer por
alguns segundos ou até vários minutos na maioria
das situações.
Secretam uma substância com odor fétido através
de glândulas que possuem em volta da cloaca para se
defenderem, marcarem território e acasalamento. A
fêmea libera uma quantidade maior durante o período
de cio.
A reprodução começa em meados de julho
e depois em novembro, mas não há prazo para
o fim do período. Fêmeas adultas podem ser
encontradas com filhotes de julho até março
e abril, pois características individuais e climáticas
podem influenciar. Até 20 embriões podem ser
gerados por uma fêmea e depois de dez dias de gestação,
nascem prematuros. Alguns vão a óbito por
fatores internos ou externos e os demais migram para o marsúpio
para se desenvolverem e permanecem por três meses.
Fêmeas de gambá-de-orelha-preta e outros marsupiais
neotropicais apresentam regularmente dois, ou às
vezes três, picos de nascimentos em uma mesma estação
reprodutiva.
O gambá-de-orelha-preta
assim como as demais espécies do gênero Didelphis
são onívoras e consomem uma variedade ampla
de alimentos. Possuem uma proteína (fator de neutralização
da toxina letal – LTNF) que os torna imune a peçonhas,
por isto, conseguem se alimentar de jararacas (Bothrops
sp.), cascavéis (Crotalus spp.) e corais
(Micrurus spp.). Também comem outros animais
peçonhentos e venenosos, como escorpiões,
aranhas e anfíbios.
Alimentam-se de frutos e são ótimos dispersores
de sementes contribuindo para a regeneração
das florestas e perpetuação das espécies
vegetais.
Os perigos e os cuidados
Os gambás sofrem
diversos problemas, pois são muito atacados por cães
domésticos, por pessoas que não tem conhecimento
sobre a importância das espécies ou simplesmente
por maldade. Também são mortos por atropelamentos
ou envenenamentos. Por isto é comum nos depararmos
com adultos mortos e na maioria das vezes filhotes juntos.
Muitas vezes nestas situações são encontrados
filhotes muito prematuros, os neonatos ou recém-nascidos.
Nesta fase possuem a pele rosácea, quase sem pelos
ou pelos muito finos e claros, os olhos e a boca ainda estão
em formação. Nesta e em outras fases os filhotes
precisam ser aquecidos, pois perdem calor rapidamente.
O aquecimento pode ser realizado com sementes (alpiste,
arroz, mostarda, entre outros) aquecidas em micro-ondas
por cinco minutos e colocadas dentro de meias; água
morna dentro de garrafas pet, de vidro ou em luva de látex.
É necessário verificar constantemente a temperatura
para que não ocorra o resfriamento e prejudique os
filhotes causando hipotermia.
Quando encontrar filhotes na fase de neonato (de 0 a 8 semanas)
é preciso oferecer leite NAN sem lactose por meio
de seringa de 1 ml, esta é a primeira opção
de preferência dos gambás, o "Suplemento
Vetnil Substituto do Leite Materno" é a segunda
opção. Quando possuem de 9 a 10 semanas e
em torno de 8 centímetros podem ser oferecidas papinhas
com frutas e ração de cachorro misturado com
leite, pois os dentes estão começando a surgir.
Nesta fase também continuam a tomar o leite NAN sem
lactose ou "Suplemento Vetnil Substituto do Leite Materno"
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Jubileu, um gambá-de-orelha-preta
(Didelphis aurita) resgatado no Centro
de Estudos e Conservação da Flora
- CECFLORA.
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Também é preciso estimular os filhotes com
movimentos leves e circulares na região da cloaca
por até 1 minuto e parar assim que começarem
a eliminar fezes e urina. Para isto utiliza-se algodão
umedecido com água em temperatura entre 35ºC
a 37ºC.
A recomendação quando encontrar filhotes na
natureza ou adultos feridos que demandam proteção
e cuidado é procurar os órgãos responsáveis
como as Secretarias Municipais de Meio Ambiente, Polícia
Militar Ambiental, IEMA, IBAMA, CETAS, CRAS, CRAM entre
outros, pois eles demandam cuidados para o pleno desenvolvimento,
reabilitação adequada e posterior soltura
na natureza.
Algumas medidas devem ser
adotadas quando forem encontrados filhotes visando a sobrevivência
do animal como o aquecimento que é primordial, a
alimentação adequada de acordo com cada fase
do desenvolvimento, estimulação correta para
que os resíduos do corpo sejam eliminados. Também
é necessário tomar cuidado para que não
se acostumem com a presença humana e se tornem mansos,
já que isto pode prejudicá-los, inviabilizando
muitas vezes até a soltura.
Para mais informações
sobre os cuidados necessários, como alimentação
correspondente a cada fase do desenvolvimento é possível
entrar em contato com a ABRAVAS e solicitar o material utilizado
nesta matéria. O grupo do Facebook Gambás
Brasileiros, Opossums & Zarigueyas também tem
muitos conteúdos que podem auxiliar, além
da Pick-upau que pode fornecer informações
e orientações.
Fonte: Os Marsupiais do
Brasil – Biologia, Ecologia e Conservação.
2º Edição, Campo Grande – MS, 2012;
Projeto Marsupiais – Cuidados, Reabilitação
e Soltura de Gambá-de-orelha-preta. Boletim Técnico
ABRAVAS – Ano V – Ago2020 – nº49.
Da Redação
(Viviane Rodrigues Reis)
Fotos: Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau