19/08/2024
– Por Fabíola Sinimbu – Repórter da Agência
Brasil – Brasília - Imagine o que pode ter em comum
uma escola pública com mais de 600 estudantes e docentes
na cidade de São José, em Santa Catarina, e um festival
de música que movimenta 300 mil pessoas em uma praia artificial
criada às margens do Lago Paranoá, em Brasília?
Ambos são considerados Lixo
Zero, um título concedido às iniciativas que cumpriram
o desafio de reduzir acima de 90% a produção de resíduos
sólidos e dos impactos ambientais causados por eles.
Em São José, no ano
de 2019, a professora da Escola de Educação Básica
Aldo Câmara da Silva, Fabiana Nogueira Mina, decidiu propor
o tema dos resíduos urbanos para uma aula de Língua
Portuguesa sobre artigo de opinião. Munida de materiais como
vídeos sobre o consumo, uso de sacolas plásticas e
impactos desse material nos oceanos e ecossistemas, a educadora
conseguiu impactar tão efetivamente os estudantes, que o
debate foi além daquela aula.
Mais estudantes foram alcançados
por meio de um seminário na escola, no qual o desafio fez
com que toda a comunidade se engajasse em transformar as ideias
debatidas em ações e que o local visse a ser a primeira
escola Lixo Zero do país.
“Fomos testando, e a escola
virou um grande laboratório. Enquanto tentávamos traçar
um caminho para a redução de 90% do que era enviado
para o aterro sanitário, nós também tivemos
erros”, lembra a professora.
A cada desafio, pesquisa e engajamento
resultavam em inovações, como o residuário,
que era um armário onde os materiais são higienizados
e organizados pelos próprios estudantes por grupos para destinação.
“A utilização
dos coletores e as lixeiras coloridas não deram certo, então
criamos uma solução.”
Os outros educadores foram contagiados
e passaram a tratar do tema de forma transversal nas demais disciplinas.
Ao final do ano, com a compostagem dos resíduos orgânicos
na própria escola e a doação do material reciclável
a cooperativas, o desvio de resíduos atingiu 94% e a escola
foi certificada.
“O engajamento dos estudantes
foi crescendo e a minha curiosidade também. Eu fui entendendo
que se o engajamento deles apontava aquele caminho era por ele que
eu deveria seguir”, afirmou Fabiana.
Relatório
O relatório Global Waste Management Outlook 2024 (GWMO 2024),
elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), indica que 80 milhões de toneladas de resíduos
sólidos domiciliares foram gerados no Brasil em 2022, Do
total, quase 30 milhões de toneladas tiveram a destinação
inadequada, indo parar em lixões, por exemplo, e 5 milhões
de toneladas foram descartadas no meio ambiente.
Preocupados com o impacto deste problema
no planeta e na saúde das pessoas, os produtores de um festival
em Brasília, que ocorre anualmente, por três meses,
às margens do Lago Paranoá - principal corpo hídrico
da capital federal - resolveram criar um lixo zero, em 2017. Na
época, identificaram que esse tipo de festa chegava a gerar
cerca de 400 toneladas de resíduo.
“Nós queríamos
deixar um legado para Brasília, ressignificar a nossa relação
com o Lago Paranoá, com a cultura da cidade, e, porque não
usar essa plataforma de comunicação, de engajamento
e transformá-la em uma plataforma de mudança do mundo”,
lembra Kallel Kopp, diretor de sustentabilidade do projeto.
A partir daí o projeto foi
todo desenvolvido na lógica de consumo consciente e na redução
da pegada ambiental, com a eliminação de itens não
essenciais, a substituição de materiais convencionais
por outros mais sustentáveis e a destinação
adequado do resíduo gerado. Da mesma forma que os estudantes
da escola de São José, os produtores também
enfrentaram desafios pelo caminho.
“Tivemos que construir um ecossistema
para a destinação de determinados resíduos
que ainda não possuíam essa cadeia em Brasília.
Até 2017, por exemplo, a gente não tinha um destinador
de vidro e nossos patrocinadores principais são marcas de
bebida, gerando uma quantidade imensa de garrafas de vidro.”
A solução veio com inicialmente
com o envio desse resíduo para São Paulo, onde a reciclagem
já era realizada. Em 2018, a mobilização dos
produtores viabilizou o início de um empreendimento nesse
ramo de reciclagem de vidro. O mesmo aconteceu em relação
aos resíduos orgânicos, que no primeiro ano foi compostado
pela organização do evento e nos anos seguintes por
uma empresa de Brasília.
“A gente foi buscando os caminhos
e várias soluções, várias tecnologias
foram desenvolvidas para conseguir gerir resíduos.”
Com todo o empenho, o evento alcançou
uma média de desvio dos resíduos de aterro sanitário
de 95%, chegando a atingir 98,2% e passando a ser o primeiro festival
lixo zero do país. Somado aos benefícios ambientais,
o evento ainda gerou renda e criou novas cadeias produtivas para
a região.
“Nós remuneramos as cooperativas
para fazerem a separação dos resíduos e doamos
100% para que tenham uma remuneração maior. No final
do cálculo, mesmo remunerando direitinho e não recebendo
a renda dos recicláveis, o nosso custo operacional ainda
é mais barato do que se que tivesse mandando para o aterro”,
destaca o diretor.
Boas práticas como as da escola
e do festival serão debatidas no Congresso Internacional
Cidades Lixo Zero, que começa nesta terça-feira, em
Brasília. Por três dias, gestores de negócios
e cidades se reunião no Museu Nacional da República
para trocar experiências sobre o tema, em busca de soluções
sustentáveis.
De acordo com o presidente do Instituto
Lixo Zero, Rodrigo Sabatini, a ideia é que bons exemplos
possam motivar mais iniciativas que somem em uma transformação
cultural e social por cidades mais limpas, resilientes e equitativas.
“Estamos falando de um acordo
social, onde comunidades colaboram para o bem comum. Este acordo
é a chave para reduzir nosso impacto ambiental, promover
uma economia mais sustentável, reduzir disparidades sociais
e incentivar a inovação”, conclui.
Da Agência Brasil
Fotos: Reprodução/Pixabay
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